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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Fanatismo por uma crença justificada

Um dos piores males que conheço, um dos que mais causam sofrimento, é o fanatismo, essa paixão exagerada e cega por certas crenças, sejam elas justificadas, sejam elas injustificadas.

Fanatismo por uma crença justificada? Sim, isso mesmo. Isso acontece quando duas condições são satisfeitas. A primeira é quando aquele que crê ter uma justificação para sua crença passa a acreditar, dogmaticamente, que sua justificação é tão boa que não pode haver nada que a solape. Ele então passa a ter a seguinte atitude: trata todo aquele que tenta oferecer razões para duvidar daquela crença como alguém ou pouco inteligente, ou mal-intencionado, ou... fanático.

A outra condição do fanatismo por uma crença justificada é o sentimento de uma necessidade de se combater quem pensa de modo diferente, como se isso, por si só, fosse um mal intolerável. O que se segue da satisfação dessas duas condições é a seguinte atitude em relação a quem pensa de modo diferente: uma indisposição incondicional para o diálogo entre equipolentes em busca da verdade e a necessidade de mostrar, com o furor semelhante ao do fanatismo religioso, os erros desse interlocutor. A verdade já foi revelada, não por uma divindade, mas pela razão. E se ela está do nosso lado, pensa o fanático, não devemos tolerar alguém que tente nos afastar da sua companhia, pois esse só pode estar tentando isso por meios irracionais. Quem pensa diferentemente é um inimigo do bem e/ou da razão. Um fanático desse tipo geralmente é agressivo, zombeteiro, faz troça do interlocutor, o acusa de agir de má-fé, é incapaz de admitir que cometeu qualquer erro substancial numa discussão, pois isso seria "mostrar fraqueza ao inimigo", e é incapaz de admitir qualquer acerto substancial do seu inimigo numa discussão, pois isso seria reconhecer a sua força.

O mais impressionante é que fanáticos por uma crença justificada podem ser tanto teístas quanto ateus. Alguns teístas acreditam que possuem uma justificação racional para sua crença religiosa e são fanáticos com relação a isso. E alguns ateus acreditam que possuem uma justificação racional para seu ateísmo e são igualmente fanáticos em relação a isso. Ambos são igualmente insuportáveis e estão igualmente errados no seu fanatismo.

Se há mesmo o fanatismo por uma crença justificada, então o dogmatismo e a justificação podem, em algum grau, coexistir na mesma pessoa. Pode-se ter uma atitude dogmática em relação à solidez de uma justificação, acreditando-se que ela é absolutamente inabalável.

Eros de Carvalho oferece aqui uma boa explicação de uma das principais causas desse tipo de fanatismo: a carência do absoluto.

Caveiras expostas em um campo de extermínio no 
Camboja, na ditadura do ateu Pol Pot, que promoveu 
a perseguição de religiosos.

Execução de vítimas da Inquisição.


12 comentários:

  1. Caro Alexandre,

    Achei este seu texto muito interessante e merecedor de alguma discussão. Concordo apenas parcialmente com o que diz, pelo que decidi responder ao seu texto com um outro publicado no blog da Crítica.

    Espero que não leve a mal a liberdade de, por vezes, me referir a si simplesmente por "o Alexandre", apesar de nem sequer o conhecer pessoalmente.

    Parabéns e obrigado pelo este seu blog.

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  2. Caro Aires: Obrigado pelo teu comentário. Não tem problema me chamares de Alexandre. Respondi à tua postagem lá no blog da Crítica mesmo.

    Que bom que tenhas gostado do meu blog. Volte sempre! Um abraço.

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  3. brilhante o texto e o blog em geral. Adicionei aos meus favoritos, pois assim posso me alimentar de idéias salutares. Obrigado Alexandre

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  4. Blog de um brasileiro: Obrigado pelo comentário. Volte sempre.

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  5. Excelente blog. Merece ser amplamente divulgado. Muitos Parabéns.

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  6. António: Obrigado pelo comentário. Volte sempre.

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  7. Lembrei de Lévi-Strauss na relação simbólica da crença no chamã, se não me engano quando fala "sobre o feiticeiro e sua magia". Mostra que a na crença há uma tríade que se preenche, que é: a crença do chamã no poder da cura, a crença do povo de que a cura é real e a relação esperada de um para com o outro que sela o ato da cura como verdadeiro.
    abraços.

    link: http://www.scribd.com/doc/7301579/Claude-LeviStrauss-O-Feiticeiro-e-Sua-Magia

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  8. Kelson: Obrigado pelo comentário. Mas não sei se entendi a relação entre o que disseste e minh postagem.

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  9. Desculpe se não o fiz me entender, meu interesse foi apenas ressaltar que Lévy-Strauss aponta o "fanatismo", ou a crença fiel(ou exagerada), justificada ou não, pela triade na relação simbólica daquele que faz a cura e é curado, e daqueles que se envolvem no processo citado pelo livro. Não sei se isto possui qualquer valor filosófico, e quis apenas ressaltar o que me veio a cabeça.
    Obrigado pela atenção e abraços.

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  10. Parabéns pelo blog e pelo texto, e concordo com Antonio Parente, merece ser amplamente divulgado.

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  11. "A verdade já foi revelada, não por uma divindade, mas pela razão", acontece que os fanáticos usam esta proposição para defenderem a sua crença, e os não-fanáticos usam-na para poder julgar os outros de fanáticos. O uso da razão, na minha opinião, é visto como algo que serve de justificação às nossas acções e portanto à nossa consciência, acontece que a verdade, a razão foram conceitos, ideias criadas pelo homem para iludi-lo, no sentido em que há necessidade de criar uma justificação para o que não é entendido. A lógica é uma ferramenta importante para a veracidade de um raciocínio, mas não para a verdade do mesmo. Logo, tudo aquilo que pode ser concebido na mente do homem pode ter veracidade, e até ser uma verdade para o indivíduo em questão, mas não é Verdade porque é concebido na mente humana, sendo limitado, em consequência a Verdade não é criada no plano mental. Agora pergunto há alguma ideia justificada Verdadeiramente? Não seremos todos uns fanáticos da razão e do entendimento dito racional? Para terminar, a Verdade tem características semelhantes à consciência pois ambas não são concebidas pela mente humana, pois não se podem pensar nem como sendo nem como não-sendo. (O ser para ser tem que não-ser; O não-ser para não-ser tem que ser).

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